E se tentarmos?

terça-feira, 15 de março de 2005

Acerca do aquecimento global

Uma notícia de 2 de Fevereiro deste ano¹ mencionava a um estudo assustador acerca da influência das mudanças climáticas na vida das populações. Falava do aumento do nível do mar, de regiões que poderão ficar submersas dando origem a milhares de refugiados, e da escassez de água. Hoje, é publicada uma notícia acerca do Kilimandjaro², o ponto mais alto do continente africano, situado entre o Quénia e a Tanzânia. Pela primeira vez em 11 mil anos, o monte está sem neve e sem gelo...

O aquecimento global está em curso, as consequências não são bem conhecidas, e ainda assim há países que optaram por ficar fora do Protocolo de Quioto...

¹
http://www.portugaldiario.iol.pt/noticias/noticia.php?id=497739

²
http://www.portugaldiario.iol.pt/noticias/noticia.php?id=513367

Assim vai o país das maravilhas

Portugal é um país no mínimo insólito... acabo de ouvir no rádio que o Santana Lopes já voltou ao tacho, ai, peço desculpa, cargo de presidente da Câmara de Lisboa. O pneu suplente Carmona Rodrigues passa a vereador, e a número 2 na Câmara. Gosto!

Melhor ainda! Também no nosso belo país, já bafejado pela amena brisa primaveril, querem instalar uma casa mortuária dentro de uma escola. É genial! Este acto de sábio aproveitamento de espaço teve lugar (ou ainda não teve, pois os pais não estão de acordo... porque será?!) em Torres Novas, na freguesia de Assentis. Toda a gente achou uma ideia iluminada, desde o Padre, que deu a ideia, à Câmara que lhe deu total apoio e à Junta de Freguesia que se apressou a pô-la em prática. E nem lhes passou pela cabeça que o facto da sala que pretendem transformar em Casa Mortuária ter duas portas para o recinto que serve de recreio à escola primária e ao jardim de infância pode fazer com que, a meio das suas brincadeiras, as crianças se deparem com os familiares dos mortos a chorarem, e caixões a entrar e a sair... helloooooooooo!!

domingo, 13 de março de 2005

O problema talvez esteja na origem e não nos meios...

Há vários tipos de jornalismo com os quais não concordo, e hoje vem no Correio da Manhã uma reportagem das que considero desnecessária e inoportuna, para não me alargar na caracterização. É uma reportagem* acerca do “Farfalha”, o “Bibi” dos Açores, e da sua família.

Este caso é mais um de pedofilia, de favorecimento à pedofilia, de proxenetismo, sei lá, nem estou muito dentro do caso, pois acredito que há um “Sistema”, que os membros do “Sistema” não são atacados (ou a serem, são o menos possível), e que quem “paga as favas” são os desgraçadinhos (tudo isto me leva ao desinteresse)... mas desgraçadinhos ou não, o que é um facto é que se estão presos por algum motivo é. O Bibi, não digo que seja o único culpado, e até sou da opinião que os principais culpados nem vão sofrer consequências, mas o que é um facto é que também merece estar preso. Quanto a este “Farfalha”, também alguma coisa há-de ter a ver com o caso de pedofilia dos Açores, caso contrário não se tinham lembrado dele. Ora, a estar relacionado, claro que as autoridades têm de fazer buscas em sua casa, e claro que se forem cheios de bons modos e com hora marcada, as provas que poderiam vir a descobrir com o factor surpresa certamente desapareceriam.

Claro que me faz pena esta senhora, mãe do "Farfalha", por ter sido incomodada, uma senhora que provavelmente levou uma vida honesta, trabalhadora, esforçada, e que nesta idade ainda tem de ser confrontada com esta situação. Mas havia necessidade dos jornalistas focarem a “brutalidade” da polícia? É que a culpa não foi da polícia! Não tivesse o “Farfalha” degenerado e escolhido um caminho à margem da lei, e nada disto aconteceria. Então, porque não uma reportagem acerca de filhos que, por caminharem de mãos dadas com a criminalidade e o banditismo, e outras práticas ilegais, sujeitam os pais e toda a família a sofrimentos desnecessários e evitáveis?

Porquê a necessidade de mais uma vez denegrir a imagem já mais que subvalorizada das autoridades em Portugal? Já não basta a falta de respeito inata de muitos portugueses em relação às autoridades e instituições, já não bastam os péssimos exemplos que nos chegam de alguns (muitos mais do que seria suposto) maus elementos das nossas policias... esta família foi incomodada, nem consigo imaginar o sofrimento em que vivem por terem de lidar com uma situação desta gravidade num meio pequeno. Mas a culpa não é da polícia, é de quem os sujeitou e arrastou sem consentimento para tudo isto...

*
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=153244&idselect=10&idCanal=10&p=94

sábado, 12 de março de 2005

"Homem matou ex-mulher, feriu filha e tentou suicídio", in Portugal Diário

Não é minha intenção, com este post, fazer qualquer tipo de juízo de valores ou alguma crítica. Mas realmente, no caso de uma pessoa (principalmente mulheres e/ou crianças, como bem sabemos) apresentar queixa à polícia por maus tratos, violência fisica ou verbal, ou até mesmo por ameaças, talvez devesse haver um mecanismo legal que se pudesse activar para prevenir situações que não podem posteriormente ser remediados...

No caso desta notícia*, uma mulher morreu, e uma criança ficou gravemente ferida às mãos do pai (divorciado já da mulher), depois da vítima mortal ter apresentado queixa na polícia e depois de, no próprio dia do crime, algumas horas antes, a mesma ter chamado as autoridades para entregar uma caçadeira que tinham em casa por temer pela sua própria vida. Poucas horas depois, deu-se a desgraça...

Acredito que a culpa não é dos agentes que se deslocam aos locais, pois esses vão a mando de superiores, e têm ordens e regras que são obrigados a cumprir. Mas a actuação nestas situações devia ser diferente, de forma a evitar que casos destes possam acontecer. Aliás, quantas crianças e mulheres não vivem com o “inimigo”, e não fazem denúncias por saberem que pouco ou nada é feito, e que mesmo que os agressores sejam depois chamados à esquadra, voltam para casa, podendo as represálias pela denúncia serem ainda mais dolorosas e graves do que a violência que despoletou a queixa... São casos complicados, sobre os quais considero que, quem de direito, se devia debruçar seriamente.

terça-feira, 8 de março de 2005

Blogger condenado a 14 anos de prisão

No Irão, um blogger foi condenado a 14 anos de prisão. Arash Sigarchi foi acusado e condenado por “espionagem e insultos aos líderes do país”. Esta dura pena, decidida a 22 de Fevereiro de 2005, serve, segundo activistas dos direitos humanos, de ameaça para outros bloggers e críticos do governo, fazendo parte de uma onda de repressão que tem vindo a atingir activistas de organizações não governamentais.

Arash Sigarchi é editor de um jornal diário da província de Gilan, e mantem um blog social e político à 3 anos. Em algumas situações, utilizou o seu blog para expôr violações dos direitos humanos e para criticar políticas do governo. Por exemplo, em Agosto de 2004 publicou um artigo acerca de uma manifestação que teve lugar em Teerão, levada a cabo por familiares das vítimas das execuções em massa de 1999. Esteve preso por alguns dias depois de ter publicado este artigo. Saliente-se que aquando da sua detenção, que originou o seu julgamento e condenação, Arash vinha protestando contra as ameaças, detenções e maus tratos que vitimavam pelo menos 20 jornalistas e bloggers iranianos. Para finalizar, e a título de curiosidade, refira-se que nos últimos 5 anos o governo do Irão já mandou fechar mais de 100 jornais e revistas independentes.

segunda-feira, 7 de março de 2005

Troco automóvel em bom estado por cavalo com pouco uso

Vou vender o carro e comprar um cavalo. E começar-me a vestir de cowboy, pois a zona de Lisboa está mesmo transformada no far-west (ou em português, faroeste!). No mesmo dia, três notícias de pistoleiros:

1 - Um assalto à mão armada no Lidl do Cacém, seguido de perseguição a alta-velocidade dos assaltantes até à Cova da Moura, onde se esfumaram... suspeita-se que sejam os mesmo que assaltaram uma pizzaria em Oeiras e um restaurante em Alcabideche dia 28 de Fevereiro.

2 - Tiros numa discoteca de Alcântara

3 - Tiros para forçar a entrada numa casa em Benfica. Felizmente não houve feridos pois aparentemente os invasores enganaram-se na casa. O que é sempre bom!

Não acho normal! Para quando medidas a sério para tentar abrandar a impunidade de que estes jovens promissores do mundo do crime gozam? É que com polícias que nada podem fazer, por causa dos direitos dos animais, ups, dos direitos humanos, com governantes que não sabem, não querem saber e têm raiva de quem sabe o que se passa no dia-a-dia do comum “tuga”, e com advogados que defendem e exigem libertação de assaltantes e pistoleiros, de que forma nos podemos defender desta violência?

1 -
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=152535&idselect=181&idCanal=181&p=0

2 -
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=152543&idselect=10&idCanal=10&p=94

3 -
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=152542&idselect=10&idCanal=10&p=94

A Fé

– vem do latim fide, cuja tradução é confiança. Significa crença ou convicção em alguém ou alguma coisa.

Nos dias que correm, e na nossa sociedade, fé é um termo indissociável da religião cristã. No entanto, para mim, é algo que transcende a religião cristã, transcende todas as religiões, arrisco mesmo dizer que é o que nos distingue para melhor dos outros animais, dos irracionais. Explico desde já o porquê de dizer “distingue para melhor”: é que o facto de sermos dotados de racionalidade também nos distingue dos animais irracionais, é mesmo “o” que nos distingue desses seres ditos inferiores. No entanto, essa racionalidade não nos dá real valor acrescentado para a vida no aprazível Planeta Terra, por alguns motivos que me parecem claros: primeiramente, utilizámos e utilizamos essa racionalidade, confundindo-a com inteligência ou saber fazer científico, na destruição do(s) ecossistema(s) do globo, criando poluição que aos poucos e poucos vai deteriorando e corrompendo a qualidade de vida intrínseca à Terra. Em segundo lugar, utilizamos os nossos conhecimentos de engenharia e física para criar pequenos mundos fechados, casas onde vivemos como o mais isolado dos animais selvagens. Em terceiro lugar, e mais importante de tudo, ao abraçarmos a racionalidade abdicámos de algo tão útil como o instinto. Basta atentar no que aconteceu na Ásia, aquando do mortal tsunami de 26 de Dezembro: os elefantes “sentiram” a chegada de algo mortífero, e instintivamente fugiram para a segurança das zonas mais altas. Já o Homem, com toda a sua racionalidade, o máximo que conseguiu “sentir” foi curiosidade, o que levou as pessoas a querem ver o mar que se tinha afastado em muitos metros deixando o fundo a descoberto. Nestes casos, de que nos serve a racionalidade?! Não estaríamos melhor servidos com o instinto?

Ainda assim, temos outra arma que não devemos negligenciar: a fé. A fé move montanhas, diz o lugar-comum. E num sentido metafórico, é verdade, pois consegue mover montanhas de problemas de cima de nós, pelo simples facto de “acreditarmos”. E em que é que acreditamos? Os cristãos acreditam em Deus, os islamicos em Maomé, os budistas em Buda... depois há os que acreditam nas “energias” da natureza, os que acreditam em “si próprios”, os que acreditam na ajuda dos outros... mas a base é igual para todos: acreditar. Não há nada mais forte do que acreditarmos, termos fé, especialmente quando dela necessitamos. Seja por desejarmos muito algo, e aí lembramo-nos de que temos fé em algo, apelando a esse algo, seja para superarmos um problema, e apelamos a esse algo para que nos dê força e nos ilumine, ou seja quando tudo o resto falha, como por exemplo quando perdemos um ente querido, e aí a nossa dor é tão grande que, ao necessitarmos de nos “zangar” com alguém (ou com algo), descobrimos que a melhor forma de nos revoltarmos é gritar bem alto dentro de nós “deixei de acreditar!”, e com isso o que é que revelamos? Que não poderiamos deixar de acreditar em algo que insconcientemente não acreditássemos já...

Que quis eu dizer com toda esta lenga-lenga? Nem sei, talvez seja apenas um simples desabafo, uma chamada de atenção, um lembrete... não posso afirmar com certeza. Apenas posso afirmar que devemos, nas alturas em que estamos fracos, ou débeis, ou abalados, ou perdidos sem uma estrela que nos guie, continuar a acreditar. Não importa em quê, cada um saberá o que mais conforto lhe transmite, mas acreditar, em si, por si e para si.

domingo, 6 de março de 2005

E esta, hein?!

Esta notícia vem no Portugal Diário de Domingo, fala de Giuliana Sgrena, a jornalista italiana do II Manifesto que esteve sequestrada no Iraque. Dois pontos a reter, na minha opinião (apesar de serem mais que conhecidos e mais que evidentes): primeiro, que não há informação no Iraque, apenas desinformação, que é bem mais perigoso que informação nenhuma; segundo, que o sequestradores profetizaram um ataque americano, que se veio a confirmar, alertando-a que não havia interesse por parte das forças de ocupação que esta voltasse a Itália. Como diria o outro, “e esta, hein?!”

http://www.portugaldiario.iol.pt/noticias/noticia.php?id=509862

sábado, 5 de março de 2005

O Homem que diz Adeus

Recebi este texto através de uma boa amiga (obrigado, Patrícia), e não resisti a publicá-lo. Tentei saber a origem, não consegui, por isso limito-me a agradecer ao anónimo autor por nos lembrar algo tão óbvio e ao mesmo tempo tão ignorado, que é o facto de todos os rostos guardarem uma história, feita de vivências e sentimentos que o tempo ameniza mas não apaga, e que até actos que a olho nú nos causam espanto e admiração, podem ter fundamento no vazio do coração de alguém. Não andará também o nosso, por vezes, mais vazio do que devia?

Quem não conhece o Homem que diz Adeus...

Para quem não o conhece, é imperativo passar no Saldanha por volta das 23h e desfrutar de um momento que já faz parte da “nossa” cidade! Como é possível um simples gesto proporcionar um momento, apesar de um pouco “estranho”, agradável para quem passa... afinal se não fossem estas “pequenas” diferenças, a vida seria sempre igual... O homem que diz adeus.

É ele o homem que noite após noite acena aos carros que passam na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa. É por ele que tocam as buzinas, que se atiram beijos e sorrisos, que se gritam «boas noites!» e «adeus!», numa «onda de comunicação» que já dura à três anos e que nem se sabe explicar muito bem como começou. Numa cidade de estranhos em mundos fechados este é o seu «milagre». E é também o seu remédio. Há quem lhe chame o «senhor do adeus». Mas «senhor» é coisa que detesta que lhe chamem.

Aos 72 anos, João Paulo Serra tem a inocência de uma criança, o espírito de um jovem, mas o olhar nostálgico de um ancião que sente «ter aprendido com a vida tarde demais». A sua roupa clássica e a ondulação do cabelo grisalho disfarçada com gel, dão-lhe um ar meio aristocrático, que já faz parte da paisagem do Saldanha. Todos o conhecem e quem trabalha nas redondezas sabe o seu percurso de cor.

«Chega por volta das onze, meia-noite... Começa pela zona do Monumental, vai descendo a rua até ao Marquês e depois sobe, parando sempre em pontos estratégicos. Nunca falha.». Arménio é chefe de mesa na marisqueira Maracanã e já lhe serviu alguns jantares. «É muito simpático. Quando passa aqui, acenamos-lhe pela janela. Só não sei: porque é que faz isto?».

João começa por dizer que não sabe bem, mas, a pouco e pouco, interrompendo sempre para acenar, vai desvendando o mistério. Tudo começou há três anos e meio, depois da morte da mãe, com quem vivia. Precisava de se distrair, incomodava-o a ideia de estar sozinho em casa. Um dia, aconteceu. Já reparara que as pessoas o cumprimentavam sem razão, nos centros comerciais e, sem saber como nem porquê, surgiu o primeiro aceno na estrada. Depois veio outro e outro, e o caso virou fenómeno.

«No início era só rapaziada nova, mas depois contagiei todo o tipo de gente», explica sem esconder um certo orgulho.

Graças ao seu «milagre», já deu entrevistas para a televisão e para os jornais, apareceu em dois filmes e até num teledisco. «Sempre quis ser actor mas nunca me deixaram...». Ou nunca teve coragem de tentar.

Algumas dezenas de acenos mais tarde, já não é um João risonho e despreocupado, «com imensos amigos» com quem vai «ao teatro e ao cinema», que fala por detrás dos óculos de massa negra. Nos olhos cinzentos, estão duas lágrimas contidas. Pelo passado, pelo presente e por um futuro que não chega. Com um raciocínio de fazer inveja aos mais novos, o louco, o excêntrico, transforma-se lentamente num avô contador de histórias, que lê Agatha Christie para combater o medo ao andar de avião, que não tem telemóvel porque detesta máquinas e que não vê televisão.

João nasceu no seio de uma família nuito rica. Até aos dez anos, viveu num enorme palacete da Tomás Ribeiro, cobiçado mesmo pelo próprio Gulbenkian. «Que saudades tenho desse tempo... A casa estava sempre cheia de família e amigos...».

Mimado desde bebé, fez a instrução primária toda em casa, com um professor particular, pois no primeiro dia de aulas no Colégio Parisiense chorou tanto que os pais não tiveram coragem de o mandar de volta. «Fui criado numa redoma de vidro», confessa, explicando: «Naquela época era tudo muito diferente, havia muitos tabus.». Depois do divórcio dos seus progenitores, quando tinha 13 anos, João foi morar para o Restelo com o pai. Por ele, inscreveu-se em Direito, mas depressa desistiu, «era muito chato».

Depois de uma igualmente curta passagem pelo curso de Histórico-Filosóficas, o pai, «que não sabia que fazer» com ele, mandou-o para Londres com o irmão. «Foram três anos fantásticos. Tinha um grupo de amigos fabuloso, com quem viajei imenso. Teria lá ficado, se não fosse tão agarrado à família...». Sem quase pôr os pés nas aulas, regressou a Portugal e, depois da morte do pai, pouco tempo depois, foi morar com a mãe, de quem não se separou até ao último dia da sua vida. «Viajámos muito os dois. Todos os anos íamos a Paris e Madrid. Conheço a Europa inteira, excepto a Grécia...».

E o olhar perde-se num momento só dele, como se pensasse alto. Quando a mãe morreu, «ficou desasado». E talvez por isso esteja todas as noites a «comunicar».

Admite que o que faz «não é muito normal», mas não passa sem isso. É o remédio que lhe permite disfarçar a solidão que o consome e o faz olhar para o passado com arrependimento, por não ter ousado viver a sua vida em vez da dos outros.

«Ás vezes penso que foi tudo inútil...»
No baú dos sonhos perdidos, jaz o curso que não tirou, o trabalho que nunca fez, os filhos que não teve e, pior, o grande amor que nunca conheceu. «Sinto-me só. Incompleto. Como se algo estivesse a falhar.».

E assim lacrimeja quando vê um casal idoso de mãos dadas, ou quando dois rapazes, que diz «reconhecer do subconsciente», param o jipe para tirar uma fotografia com ele.

«Encontramo-nos no céu», repete, aludindo ao que um diplomata ucraniano lhe disse uma vez.

O homem do lixo atira-lhe o derradeiro aceno da noite.